Sinais ( 14)
A cozinha é uma actividade anarquista e por isso recupera raízes tão antigas. Não é bem uma organização nem uma sociedade, mas uma ideia anarquista. Mesmo quando cozinhamos só para nós, pensamos : fulano ou beltrana haveria de gostar. As mais das vezes cozinha-se para partilhar, para oferecer, recusando a ideia de posse. A comida só existe para ser repartida. Mauss sabia isto tudo.
Até porque as tais raízes são colectivas e estranhas à ideia de lucro. Claro que, como tudo o resto, a cozinha soçobrou ao apetite comercial e ao abastardamento dos géneros.
Da indústria alimentar de massas ( as humanas...) à estética pornomolecular , pode sobrar pouco para a militância anarquista, mas sobra alguma coisa.Escolher nos mercados tradicionais as pequenas vendas das velhotas, ignorando as bancas compostinhas, é um passo. As trocas envolvem dinheiro, é verdade, mas cinco euros trazem tomates, ovos sujos, coentros, cebolas novas terrosas e ainda sobra.
Outro passo pode ser remar contra a corrente. Se a ideia coerciva de Estado for a de comer para correr, a perturbação anarquista será a de comer para perder tempo; desprezá-lo, mesmo.
Sobretudo ir passando a mensagem de que uma mesa simples, ligada à companhia e à partilha, mas exigente no sabor das coisas, pode fazer cócegas à polícia higienista ou à uniformização do ketchup entre dois likes no instagram. É tonto ou irreal? Claro. É vagamente anarca.
( sobre a mistura de culturas que a cozinha anarquista proporciona, fica para o próximo número)
( sobre a mistura de culturas que a cozinha anarquista proporciona, fica para o próximo número)
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